sábado, 30 de janeiro de 2010

Farelos

O dia em que se está é isolamento.
Vasto espaço ermo,
sem população humana.
Um átimo de silêncio.
Privação voluntária e pessoal.
Uma via a qual atravesso.
A cada sinal, estreita-se o tempo equivalente.
É diálogo meu e a vida se movimenta,
dizem até que a Terra não para de girar. Nela, habitam corpos cansados.
Pés se apóiam ao chão.
Olhos se cruzam permitindo desvios.
Garganta ferida com o punhal. A vida é uma aparição.
Mas do caminho para casa, é deserto.
Cato farelos de sonhos.
Cato farelos de amores.
Tenho os meus flagelos.
Cato farelos e vou à toca para mastigá-los.
Cato farelos da toca e os pedaços não sei repartir.
Mas posso contá-los.
Contá-los a minha consciência.
Não faço análise para descobrir quem sou.
Essa é uma resposta que não vou obter,
minha constante fusão se perde em minhas variações.
Diversos papéis são executados
e é preciso ter educação ao se sentar à mesa.
Curtas amizades se vão,
queria ter criado raiz.
Por que as relações amistosas se tornam desconhecidas?
Não faço análise para descobrir quem sou,
cato farelos às escondidas,
em uma cena muda,
quase pantomima.
Sou dançarino solista que dança de pernas quebradas
e se relaciona recipocramente
ao tom harmônico da vida.

Andréa de Azevedo.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Fúria Selvagem


Meu ódio é extenso e implacável,
É uma fera faminta e voraz
Que corre sobre tua sombra.
Não espere que eu tenha piedade
Ao hesitar em lhe atacar.

Em minha mente tu sofres demais,
Com meus olhos calculo tua distância,
Com meu nariz sigo teu rastro,
Com meus ouvidos busco teus sons
E com minha boca hei de lhe rasgar.

Minhas mãos estão armadas,
Minhas pernas lhe perseguem,
Chore e esconda-se
Cale-se e finja que sumiu
Eu vou encontrá-lo.

Tua pele será separada da carne
Em uma bruta tortura sem igual.
Acabou-se tua existência!
Tu és caça, eu sou caçador
Essa é minha fúria selvagem.


- Mensageiro Obscuro.
Novembro/2009.


Foto: "Dante and Virgil in Hell" de William Adolphe Bouguereau, 1850.

Margarida




            Paredes, cantos, portas, janelas. Paredes, cantos, portas, janelas. Paredes, cantos, portas, janelas. Não consigo ver além.
            Procuro e tento. É tenso. Incomodantemente tenso. Como aquele músculo que se enrijece sem motivo algum e dói. Seria boa, de fato, uma massagem. Mas não seria a solução. Sequer meus músculos têm problemas. Só queriam realmente poder se mover.
            Deslizei meus olhos para o canto direito do quarto e percebi uma flor. Uma margarida que provavelmente trouxeram enquanto eu dormia. Por que?
            Suas pétalas já não tinham o mesmo brilho, suas folhas já não eram tão verdes, seu caule já não tinha mais vida. Ou seja, ela já não viveria. Como um corpo que, jogado à mercê, apodreceria aos poucos até que não conseguissem mais viver com sua aparência e fetidez. Sua invalidez.
            Um dia os olhos de todos se cansarão daquela mesma margarida. De mim. Margarida. E procurarão por uma Violeta, ou Girassol, ou Orquídea, ou Rosa. Pois os olhos se cansam, sempre, não é?
            Mas quando meus olhos cansarem, já não estarei aqui, pois prefiro que descansem.

Lisa Stér Cöy 
(10/01/10 – 22:21h)
www.lisastercoy.com
www.muquifodeletras.blogspot.com

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Verdade

(Mailson Furtado)

A verdade não cabe numa só versão

E tantas delas, assim,

guardadas n'uma prisão.

Como mentiras e outras coisas

que despertam atenção,

A exemplo das verdades de televisão.

Suas verdades podem ser ou não:

verdades ou simples invenção,

podendo sim, por que não?

Ter ou não ter sequer uma razão.


16 de dezembro de 2006